
tipo de media: videojogo
plataforma: nintendo switch
data de lançamento: 31/outubro/2024
Já muito foi escrito, dito, pensado e regurgitado sobre o desenvolvimento atribulado do Shadows of the DAMNED. No entanto, vou tentar dar-te a versão TL;DR: este jogo marcou a segunda colaboração dos game designers Goichi Suda (Samurai Champloo: Sidetracked) e Shinji Mikami (God Hand). Originalmente chamado Kurayami, o jogo era para ser sobre um gajo que andava todo nu de tocha na mão. A Electronic Arts mostrou-se interessada no projeto, mas algures no processo, parece que se esqueceram de que a anterior colaboração destas duas lendas resultou naquele que é, sem sombra de dúvida, um dos jogos mais importantes dos anos 00 (killer7) e acharam que, afinal, o gajo já não podia estar nu e que devia ter uma pistola, porque, como todos sabemos, aqui no Ocidente a malta gosta de pistolas e de jogos de tiro (não fui eu que disse isto. Podes ir ler sobre o assunto, ok?). Então, o Suda e o Mikami voltaram à latrina (o Suda já disse que tem as melhores ideias a cagar) quase meia dúzia de vezes para reescrever tanto o argumento como redefinir o gameplay loop. A certa altura, já deixaram de ser os diretores do projeto, e um tal de Massimo Guarini ocupou o lugar deles e não sei que mais, e depois o jogo mudou de nome para Shadows of the DAMNED e, eventualmente, foi lançado em 2011 para Playstation 3 e Xbox 360. Tudo isto deixou um sabor tão amargo na boca do Suda que ele só voltou a ser diretor de um jogo em 2019, quando saiu o Travis Strikes Again: No More Heroes (decora isto, vai ser importante daqui a bocado).

Este remaster do Shadows of the DAMNED mantém tudo idêntico ao original, com o extra de um New Game Plus que nunca tinha sido incluído. A história deste jogo acompanha Garcia Hotspur, um caçador de demónios que vai ao Inferno salvar a sua namorada Paula das garras do Senhor dos Demónios, Fleming. Como a Electronic Arts queria um jogo de tiros e como isto é um jogo do Suda51, o Garcia entra nesta aventura acompanhado do seu sidekick Johnson (já agora, este jogo tem muitas piadas com pilas. Um staple de qualquer jogo do Suda desde The Silver Case em 1997), um demónio que não só se consegue transformar numa mota como numa tocha e numa pistola. Ok, na verdade ele consegue transformar-se em três armas de fogo diferentes... Claro. Isto é um jogo de tiros! Eu achei a jogabilidade bem divertida e olha que eu não sou grande fã de jogos de tiro em terceira pessoa! Principalmente com este tipo de câmara que fica no ombro do personagem, mas como este jogo tem o envolvimento do Shinji Mikami, o papá desse tipo de perspectiva em videojogos, porque em 2005 lançou um pequeno jogo que nunca deves ter ouvido falar, chamado Resident Evil 4, a cena ficou bué bem feita, tás a ver?! Os inimigos são meio burros, com padrões arcadey, e os bosses têm pontos fracos e tal... Arcade action 100% confirmado! Gosto de jogos que sabem que são jogos e se jogam como tal... Os cenários são horríveis (claro, é o Inferno) e há cadáveres por todo o lado e o caralho. Os demónios são feios como tudo (já te disse que o design dos bosses é da Q Hayashida, que desenhou o Dorohedoro e a adaptação manga do Maken X)? E volta e meia há uns puzzles. O jogo tem uma série de pormenores deliciosos, tipo as fechaduras das portas serem bébés que choram, mas quando os alimentas ficam todos felizes, ou recuperares vida bebendo saké e outras bebidas alcoólicas (se eu tivesse que ir ao Inferno salvar-te, também só o iria conseguir fazer bêbado). Eu já te tinha dito que o jogo tem bué piadas com pilas, né? Também tem uma carrada de cenas que podem ser vistas como PrObLeMáTiCaS, mas se houve alguma coisa que eu aprendi quando andava na catequese e nas horas que perdi a jogar Shin Megami Tensei III: Nocturne e DOOM, é que demónios não são particularmente boa onda...

AH! A banda-sonora deste jogo é do Akira Yamaoka (Contra: Shattered Soldier) e é absolutamente impecável, como seria de esperar!! Até as faixas parolas com riffs são boas... Depois, quando acabas o jogo, desbloqueias o tal New Game Plus (que te deixa começar o jogo com todos os upgrades da run anterior) e quatro costumes novos para o Garcia usar. São eles: Placa Garcia, Demonio Garcia, Kamikaze Garcia e Ocho Corazones. Ora, lembras-te de há bocado falar do Travis Strikes Again: No More Heroes e como foi o primeiro jogo que o Suda51 dirigiu desde o Shadows of the DAMNED? Pois bem, o Ocho Corazones aparece nele. Mas chama-se Eight Hearts. E sabes que mais? Ele aparece num nível chamado Serious Moonlight, que é, na verdade, um jogo (dentro do jogo... O Suda é bué meta, ya?) desenvolvido pela Dr. Juvenile, uma game designer que acredita que não é possível concretizar a sua visão com a presente tecnologia para esse projeto e tenta cancelá-lo em vão, pois é pressionada pelo seu chefe Damon para continuar o desenvolvimento. A Dr. Juvenile decide então ignorar essas ordens e decide fazer uma sequela do seu jogo favorito: Shadows of the DAMNED, e tipo, foi desta maneira que o Suda decidiu anunciar ao mundo que a sua Grasshopper Manufacture tinha comprado os direitos deste IP à Electronic Arts (eu disse que o Goichi Suda era bué meta... ). Tipo, em todo o TSA: NMH, o Suda fala dos seus dissabores com o desenvolvimento tumultuoso de Shadows of the DAMNED. Não só através das vivências da personagem Dr. Juvenile, como também do seu chefe: Damon Riccitiello (que curiosamente partilha o apelido com um tal de John Riccitiello, CEO da Electronic Arts em 2011, ano em que saiu o Shadows of the DAMNED... ahah). Uma maneira bizarra de se fazer autobiografia, certamente. E se há coisa que este magnífico remaster me faz acreditar, é que é bem possível que a visão original que Goichi Suda e Shinji Mikami tinham para o Kurayami se materialize continuando a história da sequela (fictícia) que a Dr. Juvenile idealizou... Com este remaster, Suda mais uma vez acabou de fazer aquilo que faz melhor: matou o passado. ®
txt por badgirl • illustração por Rudolfo da Silva